Histórico


FAMCOS: AJUDANDO A CONSTRUIR A HISTÓRIA DO MOVIMENTO POPULAR EM SANTARÉM

O Brasil dos anos 70 foi marcado pelo auge da repressão militar, sobretudo, na primeira metade dessa década. Mas, a perseguição em massa às lideranças sindicais e comunitárias, a artistas, a professores e a alunos que lutavam em favor do povo, não calou a voz das organizações populares. Ao contrário, cada vez mais surgiam movimentos que denunciavam e protestavam contra a sanguinária ditadura militar, lutando por um país livre, democrático e soberano.
Em Santarém não foi diferente. Diversas manifestações foram realizadas, como o “Movimento Nacional Contra a Carestia”, liderado pelos grupos de vizinhos da cidade, organizados pela Igreja Católica. O ato público, ocorrido na manhã do dia 27 de Agosto de 1979, na Praça Barão de Santarém, levou centenas de pessoas às ruas.
O trabalho desenvolvido pela Igreja Católica local, mais precisamente pelas Comunidades Eclesiais de Base, junto às classes populares fez com que estas despertassem para uma tomada de consciência da situação de abandono, de espoliação em que se encontrava o povo e incentivou a luta pela conquista de seus direitos. O apoio inicial da Igreja Católica se deu através dos grupos de vizinhos, que mais tarde foram transformados em CEBs, surgindo a partir daí as primeiras lideranças das associações de moradores.
Mas, a organização popular em Santarém se consolidou na primeira metade da década de 80, com o Movimento de Organização Popular (O MOP). O movimento originou-se no bairro Santana, que tinha como bandeira principal a luta pela saúde. Seu sucesso de mobilização deu reflexo para a formação de novos grupos em outros bairros como Livramento, Interventoria, Urumari, Aeroporto e Esperança, onde diversas manifestações surgiram com o objetivo de pressionar o poder executivo municipal a resolver os problemas mais gritantes da população, sobretudo na periferia. Essa organização teve diversas conquistas: vacinas nos bairros para gestantes e crianças, construção de escolas, melhoramento de ruas e postos de saúde.
Da semente do MOP brotou o Movimento de Integração dos Bairros de Santarém, formado por cinco associações, idealizado pelo então Grupo Comunitário do Bairro do Livramento, que se prolongou até 1988. As lutas se intensificaram e logo se percebeu que cada associação isolada não conseguiria ir muito longe. Surgiu, então, a necessidade de uma organização forte que, de maneira mais estruturada e sólida, comandasse a luta por melhores condições de vida. Desse sonho nasceu a FAMCOS.
A FAMCOS foi fundada no dia 19 de março de 1989 durante a realização do seu primeiro Congresso, e registrada oficialmente no dia 15 de Junho do mesmo ano. O Congresso começou na sede social do Fluminense Atlético Clube, mas por razões políticas, os delegados foram proibidos de continuar naquele local, sendo transferidos para o Centro Comunitário do Bairro da Liberdade. Contando com a participação de 97 delegados, representando dez associações de moradores e alguns clubes de mães, a FAMCOS elege sua primeira diretoria e outorga Jaime Luiz Azevedo Menezes como o seu Primeiro Presidente, que vence com 56 votos contra 41 do concorrente Júlio César.
Em Março de 1991, no segundo Congresso da FAMCOS, realizado na 5ª URE, 291 delegados, representando 35 entidades populares, estavam aptos a participar do pleito eleitoral. A chapa de oposição, encabeçada por Juca Pimentel foi eleita com a maioria dos votos.
Tendo sua base fortalecida por associações combativas, e recebendo o apoio do MEB, da Igreja Católica e do sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, a nova diretoria da FAMCOS assume uma postura firme, autônoma e desatrelada do poder público municipal, configurando-se, assim, como um forte instrumento de luta em defesa dos interesses da população carente.
No início de 1991, a FAMCOS contava com vinte e cinco associações filiadas e clubes de mães e centros comunitários. Ao final de 1992, esse número passou de cinqüenta e a presença nas assembléias também teve aumento significativo.
Como expressão positiva desse período, em 1992 a FAMCOS reúne mais de três mil pessoas numa manifestação em frente à sede da COSANPA contra a má qualidade da água, a deficiência no abastecimento e pelo não pagamento da alta tarifa cobrada. Como resultado, foram devolvidos mais de 40 mil talões. Ainda como saldo da mobilização, deu-se a construção de vários micro-sistemas de abastecimento de água, além da definição de uma taxa mínima de água para o consumidor que recebia o líquido só em um período do dia e o cancelamento das cobranças nos locais aonde não chegava a água.
Outra luta encampada foi pela construção de escolas de ensino médio nos bairros periféricos. Tem-se como conquista dessa luta a construção das Escolas Terezinha de Jesus Rodrigues, Rio Tapajós e Aluisio Martins. A iluminação pública também apresentou melhoria considerável. No transporte coletivo, ônibus mais conservados e alguns novos circulando até fim da noite para atender os estudantes.
No terceiro Congresso da FAMCOS, realizado no mês de março de 1993, foi aprovada uma emenda no regimento interno, alterando o período de mandato da diretoria, passando de dois para três anos. Esse congresso contou com participação de várias associações, dobrando o número de delegados que reelegeram Juca Pimentel para a presidência da FAMCOS.
Neste período de 93 a 96, o movimento popular através da FAMCOS, vê seu reconhecimento ultrapassar os limites do município. Alguns diretores viajam para outras cidades para partilhar a experiência da organização popular em Santarém e para incentivar o surgimento da organização de bairro em outros lugares.
A diretoria da entidade percebeu também a necessidade de uma formação política mais consistente aos seus dirigentes e militantes para elevar o nível político do movimento popular santareno. Com o apoio do MEB, diferentes níveis de estudos são promovidos, direcionados aos dirigentes e aos militantes. Formaram-se também pessoas para atuar nos espaços públicos que se abriam no governo, como os conselhos municipais.
Mas, na década de 90, a atuação do movimento popular no Brasil sofre um processo de esfriamento. Em Santarém, esse fenômeno também é sentido e a FAMCOS não escapa desse abalo. Presidida por Heriberto Figueira, em 1996, e por Olney Vasconcelos, em 1999, a FAMCOS passa por sérios problemas de organização. Essa conjuntura foi reforçada por uma estratégia do governo municipal, especialmente no período de 96 a 2000, que adotou uma política populista de cooptação de lideranças fazendo concessões particulares e até incorporando-as em secretarias da administração pública. O governo municipal passou a investir pesado para que seus candidatos vencessem as eleições nas associações de moradores e atuassem como servidores remunerados do Governo, impedindo qualquer mobilização ou manifestação de rua.
Depois desse amargo declínio, em 2002 a FAMCOS consegue realizar seu VI Congresso. A entidade, então, se reorganiza e tenta reestruturar sua base de entidades filiadas, novamente sob o comando de Juca Pimentel, que, por motivos particulares, renuncia ao cargo no final de 2003. A vice-presidente, Ângela Tereza (a Teca) assume a presidência, conduzindo a entidade até a realização do VII Congresso em 2005.
A diretoria eleita em 2005 tem um notável diferencial: dos 22 membros, apenas 5 são homens. A FAMCOS passa a ter em sua direção 17 mulheres, inclusive a presidente – Sara Pereira. E uma das prioridades dessa diretoria é o investimento na capacitação e formação das lideranças das entidades de base a fim de torná-las cada vez mais habilitadas a intervir nos processos de discussão e elaboração de políticas públicas que respondam às necessidades reais da população.
A FAMCOS não se subordina a nenhum poder que não seja aquele emanado das suas entidades de base. Com essa convicção, a FAMCOS tem protagonizado a luta pelo direito à cidade sustentável em todos os seus aspectos, se posicionando de maneira clara nos debates com o Poder Público, exigindo que as políticas sociais não sejam apenas ações paliativas, causadoras de dependência e clientelismo. Mas, que sejam políticas justas, acessíveis, especialmente, à população de baixa e, sobretudo, que tragam dignidade à vida das pessoas.
Assim, novamente a FAMCOS vê-se reconhecida para além dos limites de Santarém, sendo eleita para coordenar o GT-Urbano do Fórum da Amazônia Oriental – FAOR, através do qual também integra a coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana.
Na luta pelo direito à cidade sustentável a FAMCOS, juntamente com diversas outras entidades, tem convocado os Poderes Públicos para o debate sobre transporte, moradia, regularização fundiária, infra-estrutura, meio ambiente, Plano Diretor, enfim tudo aquilo que possibilita viver com dignidade na cidade.
Fazer movimento popular é um grande desafio, mas as mulheres, os homens, jovens e adultos, que abraçam essa causa o fazem com total liberdade, porque acreditam que “um mundo melhor é possível”. E é essa crença que move a FAMCOS, que dá energia, coragem e perseverança a seus militantes; que a faz apostar e investir na organização e mobilização coletiva, afinal “sonho que sonha só é ilusão, mas sonho que sonha junto pode dar em construção”.